Vila Nova: o primeiro bairro de Goiânia fora do escopo original

                                                                                                                                                         Fotos: Gilberto G. Pereira
Vista parcial da Vila Nova, com o conglomerado de prédios ao fundo, em foto clicada da pista de atletismo da Esefego    

O primeiro texto deste blog não é uma reportagem. É uma espécie de editorial para falar de um bairro maravilhoso, cuja memória precisa ser resgatada. A Vila Nova foi o primeiro bairro a nascer fora do traçado original de Attilio Corrêa Lima, quando Goiânia foi criada em 1933. Serviu como assentamento para os trabalhadores braçais que vieram de todos os cantos do país.

Os primeiros moradores de Goiânia foram seus próprios funcionários. Os de prestígio ganharam casas-tipo na Rua 20. Quanto mais baixo era o prestígio da profissão junto ao poder, as casas iam se afastando, mas ainda dentro das linhas planejadas, até chegarem ao que ficou conhecido como Bairro Popular, ao Norte da Avenida Anhanguera, logo após a Avenida Paranaíba, nos dois lados da Avenida Goiás.

Quem não conseguia morar sequer no Bairro Popular, começou a se instalar mui precariamente do outro lado do Córrego Botafogo, fazendo nascer a Vila Nova. Eram casinhas simples, muitas vezes descritas como taperas, em bases fincadas com três paus e cobertas de capim. Aos poucos, sua população foi se organizando e fazendo o local florescer.  

Mesmo com essa longevidade, a Vila Nova até hoje não tem sua história registrada em livro, e na internet há pouca informação sobre como passou a ser o que é hoje. Até na plataforma mais popular da internet, a Wikipédia, a Vila Nova aparece com meras sete linhas de história, num registro feito há pouco menos de um ano.

Algumas pistas de como o bairro nasceu podem ser encontradas no livro Memória Cultural: ensaios da história de um povo. A publicação é de 1985, organizada pela prefeitura de Goiânia, que entrevistou os primeiros imigrantes, chegando à nova capital nas décadas de 1930 e 40.

Cheiro de urbes nova

Adolfo Boari, por exemplo, mineiro, veio para Goiânia em 1940, sete anos após o lançamento da pedra fundamental. Atuou como ajudante de pedreiro, depois como mestre de obras em construções como o Teatro Goiânia, o Grande Hotel, o coreto da Praça Cívica e a torre do relógio da Avenida Goiás.

Quando Boari chegou a Goiânia, foi morar em Campinas, e vinha trabalhar a pé no centro. Mas conhecia toda a região, inclusive a Vila Nova, que ainda era uma comunidade precária, apesar de já estar saindo de sua fase mais crítica. “Tinha casinha lá só de três paus, como um tripé, coberto com saco de cimento vazio”, diz em seu depoimento.

O bairro foi sendo ocupado com trabalhadores braçais, prestadores de serviços (cabeleireiros, açougueiros etc), pequenos comerciantes. Os novos moradores iam chegando atraídos pelo cheiro de urbes nova.

Havia cartazes espalhados por cidades do interior do país com o chamado dos magnatas da especulação imobiliária, os Coimbra Bueno: “Goiânia, um mundo de possibilidades.” E sob essa propaganda, a Vila Nova foi surgindo, com invasões e distribuição de lotes. Quem doava os lotes era a própria primeira-dama Gercina Borges (mulher de Pedro Ludovico Teixeira).

O local onde se tornaria a Praça do Botafogo era o ponto de chegada dos novos moradores. Eles se instalavam ali, em casas cobertas de capim, até conseguir um lote.

Com isso, em poucos anos da década de 1940, a Vila Nova sofreu uma espécie de boom imobiliário da classe operária. Em 1943, quando o Bosque do Botafogo (aquele onde se instalou o Parque Mutirama) ainda era uma mata virgem, a Vila Nova já tinha vida própria, cintilava como uma praça cheia de novidades.

A efervescência era grande no bairro que se estruturava. Egídio Turchi (1921-2011), um dos vários europeus que vieram para Goiânia no período de levantamento da cidade, presenciou esse alvorecer.

Turchi nasceu na Itália e chegou a Goiânia em 1944. Visitava o bairro com frequência. Entrou na Congregação Mariana (associação formada por cristãos católicos leigos, que dedicam sua devoção à Mãe de Deus, a Virgem Maria), por influência do padre José Balestieri.

Intelectual autodidata, um dos fundadores da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pai de Maria Zaira Turchi, doutora em literatura, ex-diretora da Faculdade de Letras da UFG e atual presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), Turchi disse que o padre Balestieri foi um dos homens que mais lutaram pelo desenvolvimento da Vila Nova.

Segundo Turchi, além do atendimento às almas católicas, Balestieri tem pelo menos dois grandes feitos na história da Vila Nova: a criação da Igreja do Sagrado Coração, que até hoje existe na Praça Boaventura, e o lançamento da base para o surgimento do clube de futebol que leva o nome do bairro.

Em nome de Deus

A história contada por Turchi é que, no final dos anos 1930, o padre Balestieri reunira alguns marianos amantes do futebol e criou um time que treinava no espaço que se tornaria a Praça Boaventura. Esse time, “embora mais tarde mudasse de nome e de finalidade, se constituiu no embrião do time da vila famosa.”

“Na história do time do Vila Nova, talvez o nome do Pe. José Balestieri não figure, mas foi ele quem deu o primeiro impulso”, diz Turchi. Como jornalista, fui checar a história no site do Vila Nova. A citação ao padre José Balestieri está clara no primeiro parágrafo da história do clube.

“Tudo começou quando, em 1938, o padre José Balestiere fundou a Associação Mariana, um clube amador (sic) com o objetivo de incentivar o congraçamento das comunidades católicas e propiciar entretenimento à população”, diz o texto publicado no site do clube, cuja sede fica na fronteira da Vila Nova com o Setor Universitário, perto da Praça da Bíblia.

Oficialmente, o Vila Nova foi fundado em 1943, pelo coronel “Francisco Ferraz Lima, com a água benta do Pe. Giuseppe Balestiere e a bênção de Gercina Borges”, diz o clube em seu site. Segundo Oscar Sabino Junior, no livro Goiânia Global (Ed. Oriente, 1980), o Vila Nova é o quarto time na história de Goiás. 

Mas Sabino Junior cita o Goiás como o terceiro, também fundado em 1943, sem indicar os respectivos meses de fundação dos dois. O clube mais antigo da capital é o Goiânia (1936, quando ainda era chamado de União Americana), seguido do Atlético Goianiense (1937).


Nos dias atuais, o bairro é dinâmico

Detalhe da feira da Nona Avenida: o bairro tem todos os tipos de serviços essenciais     

Hoje, a Vila Nova é um bairro tradicional da classe C de Goiânia. E é fácil delimitar sua topografia. Está todo entre três grandes vias: ao Sul, a fronteira é a Avenida Anhanguera; a Oeste, a Marginal Botafogo. Lambendo as beiradas do bairro a Norte e Leste, está a Avenida Independência que corta a Marginal Botafogo na altura do Parque Mutirama e vem se curvando até morrer no entroncamento com a Avenida Anhanguera, na Praça da Bíblia. O bairro está dentro desses limites.

Tem de tudo na Vila Nova. Há várias drogarias, agências bancárias, concessionárias de veículos (recentemente, a unidade de carros usados da Cical, na esquina da Quinta Avenida com a Anhanguera, foi levada pela crise, e em seu lugar instalou-se uma agência de cooperativa de crédito).

O bairro conta com duas feiras livres, uma aos domingos, na Nona Avenida, e outra às quartas-feiras, na Décima Avenida (entre as quadras 46 e 66) e uma feira especial noturna, aos sábados, na Avenida Cel. Cosme, entre a R.208 e Rua A (das 16h às 22h).

Há dois supermercados de porte médio (o Pró-Brazilian, na Quinta Avenida com a Rua 214; e o Pratiko, na Rua A com a Avenida Cel. Cosme), além de lojas e estabelecimentos que oferecem todos os serviços essenciais. O bairro tem um hospital e um Cais, pizzarias, restaurantes, bares à vontade, pit-dogs, igrejas, academias de ginástica, escolas públicas e um Cemei considerado um dos melhores da capital.

O Instituto Goiano de Educação é outra escola importante que se localiza no bairro. Fica numa quadra entre a Avenida Anhanguera e a Nona Avenida, margeando a Quinta Avenida. É uma das instituições públicas estaduais de maior prestígio da capital. A Escola Superior de Educação Física do Estado de Goiás (Esefego), que hoje está integrada à Universidade Estadual de Goiás (UEG), também faz parte do território da Vila Nova.

Não tem cinema, nem teatro. Mas os moradores não precisam se deslocar muito para acessar esses serviços. Além disso, a Vila Nova está perto do Parque Mutirama, e não fica muito longe do Aeroporto Santa Genoveva. Está perto da Rodoviária e é bem vizinho da Pecuária, que fica na Nova Vila. O acesso ao bairro é facilitado por várias linhas de ônibus. É próximo também da BR-153, saída para Brasília ao Norte, e São Paulo ao Sul.

A Vila Nova tem muitas histórias para contar. O primeiro bairro fora da estrutura projetada de Goiânia floresceu e rendeu frutos. Muitos de seus filhos hoje são médicos, arquitetos, engenheiros, professores. Eles estão por aí. Talvez precisem de um incentivo para se lembrar da velha casa. Já é tempo de contarmos essa história.

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